Sonya Azevedo
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O arco-íris


Em um lugar distante vivia um rapaz que almejava grandes riquezas.
Certo dia, ouviu um velho sábio dizer que ao se chegar no final do arco-íris encontraria um pote com riquezas inimagináveis, mas que o caminho a percorrer seria bastante árduo e sacrificante.
Durante semanas ficou absorto em pensamentos imaginando como deixar para trás a sua vida modesta, sua família, seus amigos e seguir em busca de um sonho que nem ao menos poderia predizer seu final.
Certa noite de lua cheia, sem se despedir, deixou a sua casa levando consigo algumas roupas necessárias ao trajeto, um cantil com água, uma manta para as noites de frio, e umas fotografias de lembrança de sua família e amigos.
Partiu sem despedida, pois não saberia precisar por quanto tempo ficaria fora.
Seguiu sem rumo, somente se preocupando em encontrar o arco-íris. Semanas se passaram e quando as esperanças já se esgotavam ele visualizou, bem ao longe, o arco-íris. O cansaço já se abatia sobre seu corpo e a fome já corroia suas entranhas, quando resolveu sentar-se a beira de um caminho para descansar. Recostou-se em uma árvore e por um tempo cerrou as pálpebras, quando ouviu um senhor que passava pelo caminho perguntar-lhe se estava bem. Respondeu que sim, só um pouco cansado e faminto.
Então, para sua surpresa, o senhor o convidou para a sua casa para que ceasse consigo e gozasse de uma boa noite de sono. Assim, levantou-se e acompanhou o senhor até a sua modesta casa. Chegando lá, o senhor serviu-lhe um bom banho, uma boa refeição. Após a ceia sentaram-se em silêncio no alpendre admirando a beleza das estrelas quando o senhor o perguntou:
- Para onde vais?
- Busco encontrar o arco-íris; falaram-me das riquezas que se encontram onde ele beija a terra.
- O caminho é árduo e perigoso, e nos desvios poderás se perder.
E o acomodou para que pudesse descansar da jornada.
Quando a aurora despontou no horizonte, levantou-se em silêncio e percebeu que o senhor já não mais se encontrava, mas havia deixado para ele suprimentos para a viagem. Sem ter como agradecer, foi ao jardim, colheu umas flores, colocou em um vaso e seguiu viagem.
Durante o seu percurso viu que um cão mambembe o acompanhava, desviou-se do caminho por algumas vezes para tentar se livrar do cão e acabou se perdendo na mata. Exausto sentou-se para descansar, lembrou-se do ancião que o acolhera e lágrimas rolaram-lhes na face. Sentiu-se solitário e pela primeira vez, amedrontado. Olhou para o céu, viu que estrelas começavam a despontar e o sol já iniciava o seu caminho para o revigoramento noturno. Por fim, o cansaço venceu-o e após vários soluços adormeceu.
O frescor da manhã acariciou-lhe a face e ele pode perceber ao seu lado, como um fiel escudeiro, o cachorro mambembe que o acompanhara, zelando vigilante o seu sono. Espreguiçou-se e sorriu pela primeira vez para o pobre animal, que entendendo o seu sorriso e correspondendo a sua gratidão, abanou euforicamente o rabo.
O cão parecia entender os seus anseios e entre passos e olhares o conduziu a um riacho translúcido onde se banharam, beberam água e ele pode encher o cantil para a nova etapa. Partilhou o pão com o novo amigo e seguiram caminho.
Quanto mais caminhavam, mais distantes pareciam estar do arco-íris, por vezes este sumia, às vezes por dias seguidos e quando retornava parecia haver mudado de direção.
Em sua fidelidade o cão o acompanhava e o direcionava, e a cada dia, mais e mais, crescia a amizade entre os dois. O rapaz já não sentia a solidão tão forte como no início da jornada, e se distraia correndo junto ao amigo. Nos piores momentos de dor conversava e o cão, atento, o olhava e aconchegava-se a seus pés.
Nas noites frias repartiam a manta e juntos aqueciam-se com seus corpos; dividiam os suprimentos e a água, e procuravam caça para se alimentar.
O tempo ia passando, os obstáculos sendo superados, e o arco-íris cada dia mais próximo. O halo colorido parecia cruzar as suas cabeças, mais duas montanhas e chegariam, pensava.
A primeira montanha veio cheia de obstáculos, uma mata virgem, tenebrosa, o uivo dos lobos os amedrontava e à noite o piar das corujas parecia guiar cobras e leões. Encolhidos abraçavam-se e o rapaz orava... Orava com uma fé ardente, como jamais havia sentido. Pedia pela sua vida e de seu amigo. Pedia a Deus que os protegesse e os conduzisse com segurança ao destino aguardado.
E assim, caminhavam alquebrados, mas unidos. Uma amizade que já se tornara uma relação de respeito e amor. Uma doação mútua no encontro dos desencontros de ambos. A familiaridade adotada na sarjeta das ambições. Um encontro cúmplice de vida, de solidão e de afeto. Sentimento aflorado no companheirismo, na solidariedade, na partilha de si mesmo.
À medida que subiam a montanha, mais se cerrava a mata e mais assustadora ia ficando... De repente, do nada se deparam com um urso enorme, babando de faminto que avança ferozmente sobre o rapaz. No seu instinto de fidelidade, o cão voa sobre o urso que com a sua pata dilacerante fere mortalmente o cão que irá servir de alimento para si.
O rapaz desesperado com a cena foge entre lágrimas, soluços e revolta.
Corre em pânico pela mata até que o cansaço o vence e adormece. Ao acordar um turbilhão de lembranças o confundem entre o pesadelo e a realidade. Procura por seu amigo em vão; este não retornará. A revolta o domina e discute com Deus. Neste momento, toda a gratidão que havia sentido por tudo de bom que havia acontecido na jornada se desmorona e a raiva e revolta se apossam de seu ser.
- Como, como Tu, Deus, que tudo pode, permitiu que isto acontecesse?
- Trazes de volta o meu amigo, já que és tão poderoso!
- Que Deus é esse que nos faz sofrer tanto? Por quê? Por quê? Já estava quase no fim da jornada.
- Estava tão feliz... E agora, de que vale este tesouro? Tu me levaste o meu maior tesouro: o meu amigo, o amor... O verdadeiro sentido da vida que só descobri nesta jornada. Tu me mostraste e também me tiraste.
- Orei a Ti todas as noites, clamei por Ti, e Te dei as minhas esperanças e meus sonhos. Coloquei as nossas vidas em Tuas mãos e Tu as doaste a um urso feroz que não me permitiu enterrar o meu amigo que nesta jornada apresentou-se como o verdadeiro sentido da vida, o amor incondicional ensinado por Vós.
- Sigo em frente com a revolta em meu peito e descrédito da vida na dilaceração que esta dor contorce em minhas entranhas.
Com o sorriso apagado da face o rapaz segue subindo e descendo a montanha. O sol volta a brilhar por entre os galhos e a névoa colorida do arco-íris já toma conta do sopé da montanha.
Enfim, pensa o rapaz.
Comecei esta jornada pensando em adquirir os tesouros materiais, durante a jornada conheci os valores espirituais. Também, nesta jornada, conheci a dor das entranhas da alma, perdi a fé que se foi junto ao meu amigo, e, hoje, queria conhecer a esperança e crer que o reencontraria. Este, sim, seria o verdadeiro tesouro que gostaria de encontrar.
Sentado no pote de ouro encontrava-se o velho ancião que o alimentara no seu início de jornada. Surpreso e boquiaberto, o rapaz o questiona se ele já encontrara o tesouro.
- Sim. Encontro-o em todas as jornadas das vidas que conduzo.
- Como assim?
- Conduzo os seres ambiciosos a encontrarem o verdadeiro sentido da vida. Ensino-lhes a solidariedade com o próximo, a esperança, o poder da oração, a fé, a força e a perseverança, a fidelidade na vida e na morte.
- Como ensinas? Não estiveste comigo o tempo todo. Tive que aprender sozinho e com o sacrifício do meu amigo por mim. Ele foi o meu professor!
- Agora que encontrastes aquilo que viestes buscar, estás realizado?
- Não! Trocaria todo o ouro pela chance de ter, nem que por um minuto mais, mas que fosse suficiente para agradecer-lhe por mostrar-me valores ocultos, o meu cão de volta.
- Agora sei que estás apto para receber o teu tesouro. Vem, pode pegar o que se encontra dentro do pote. É todo teu.
- O rapaz se aproxima sem entusiasmo e, ao ver o interior do pote, um largo sorriso de felicidade brota em sua face, lágrimas escorrem de olhos incrédulos, e soluços entrecortam o silêncio do abraço no reencontro dos amigos.
- O rapaz, agora, amadurecido, volta para casa com o seu verdadeiro tesouro dentro do coração. O amor incondicional que o seu verdadeiro amigo fez com que brotasse na sua alma.


(SSA,19/08/2009)
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Sonya Azevedo
Enviado por Sonya Azevedo em 30/07/2010
Alterado em 17/05/2013
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